Acordou, olhou para o teto, despiu-se
do sonho que acabara de ter. Deixou-se vaguear pelo passado, pelas cicatrizes
que ainda ardiam na alma, lembrando-se de momentos que jamais seriam eternos,
mas que estavam cravados em si, na memória mais ancestral do próprio ser. Arranhando
as unhas no colchão macio, sentindo a textura do lençol, cogitou o que faria
naquele dia, por qual caminho iria, se deveria levantar ou tentar voltar a
dormir.
O celular tocou, uma mensagem num
aplicativo de texto. Todos os dias se perguntava por que mantinha aquele
aplicativo funcionando. Não era carente, a maioria dos amigos o visitavam com
frequência significativa, por que continuar escutando esse apito chato,
irritante, e quem sempre vinha acompanhado de uma ansiedade crescente, um
desejo voraz para saber quem se lembrava dele, quem não lembrava. Suspirou
alto, estava de mal humor.
Deixou os pés tocar o chão, enquanto
olhava para a janela. Fechou os olhos mais um momento. Vieram imagens de
pessoas que lhe construíram, de erros e relações. Apertando as próprias coxas lembrou-se
de cada mensagem que recebeu de bom dia, de boa tarde, de boa noite. Fazia um
tempo que se separou da ex. Mas não fazia nem um segundo que ela lhe deixara os
sonhos.
Sentiu vertigem. Quis voltar a dormir.
Quis cair no colchão e permitir que as cobertas o afogassem. Quis... Quis...
Quis... Abriu os olhos de supetão. Pegou o celular e colocou uma música para
tocar: Dor Elegante, na voz de Zélia Duncan. Prendeu o ar. O que faria a
seguir? Pra onde iria? Para a cama ou o quarto de outra pessoa? Estenderia a
mão para que alguém agarrasse? Nunca foi de pedir ajuda, ou deixar-se mostrar.
Quem seguraria a mão?
E viu entrando pela porta do quarto uma criança. Era ele
próprio com 12 anos. E lembrou-se que um dia nem pensou sobre amor, mas já
sabia amar. Perguntou-se quem era, o que era, o que deveria ser. E percebeu-se
respirando, vivendo, sendo algo. Deixou-se levantar. Abriu a porta do guarda
roupa. Ele era mais do que havia sobrado. E jogou fora toda dor e toda a bagunça
acumulada de si.
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