segunda-feira, 18 de julho de 2016

Sobre as cores de Amelie.




        Amelie tinha medo de distâncias. Desde pequena quando se via longe da mãe ou do pai queria retornar para o conforto das figuras protetoras e zelosas deles. Desde pequena, quando envolvida pelas cobertas do berço, assustava-se fácil com o imenso espaço que a separava da cama, e chorava copiosamente enquanto esperava paciente o aconchego do colo morno que a faria tornar a dormir.
        Era uma garota excepcional em seu modo de pensar na vida. Enxergava em cores, centenas delas, e não gostava de assistir filmes em preto e branco. Mas assistia pelo bel prazer de imaginar atores e atrizes em tons cítricos, fortes, intensos. Certa vez foi capaz de sonhar com um desses filmes todo em laranja e vermelho e amarelo. Foi um sonho bom.
        Casou-se com um pintor, grande ironia. Pensou em se divorciar duas ou três vezes, mas por medo de se distanciar permaneceu com ele. Teve dois filhos, quatro cachorros e um gato, que havia sido exigência dela, pois o marido não gostava, dizia que os pelos lhe causavam alergia, apesar de nunca espirrar quando se aproximavam dele. O gato era amarelo com branco e tinha como nome Garfield. Ela o adorava.
       Amelie estava naquele instante observando um quadro do marido, um retrato dela mesma em tons pastéis. Segurava na mão um vinho tinto, e pensava que ficaria muito mais bonita em um vestido vermelho. Jogou o vinho. Sorriu. O marido surgiu do nada e quase gritou. Ela se aproximou dele, beijou-lhe amorosamente rompendo toda a distância entre os corpos e lhe disse em um sussurro próximo ao ouvido:
        - Cada humano caminha com a própria loucura. Eu decidi aceitar a minha e ser feliz.

          Amelie era escritora. E gostava de ser assim.

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