Amelie tinha medo de distâncias. Desde pequena quando se via
longe da mãe ou do pai queria retornar para o conforto das figuras protetoras e
zelosas deles. Desde pequena, quando envolvida pelas cobertas do berço,
assustava-se fácil com o imenso espaço que a separava da cama, e chorava
copiosamente enquanto esperava paciente o aconchego do colo morno que a faria
tornar a dormir.
Era uma garota excepcional em seu modo de pensar na vida.
Enxergava em cores, centenas delas, e não gostava de assistir filmes em preto e
branco. Mas assistia pelo bel prazer de imaginar atores e atrizes em tons cítricos,
fortes, intensos. Certa vez foi capaz de sonhar com um desses filmes todo em
laranja e vermelho e amarelo. Foi um sonho bom.
Casou-se com um pintor, grande ironia. Pensou em se divorciar
duas ou três vezes, mas por medo de se distanciar permaneceu com ele. Teve dois
filhos, quatro cachorros e um gato, que havia sido exigência dela, pois o marido
não gostava, dizia que os pelos lhe causavam alergia, apesar de nunca espirrar
quando se aproximavam dele. O gato era amarelo com branco e tinha como nome
Garfield. Ela o adorava.
Amelie estava naquele instante observando um quadro do
marido, um retrato dela mesma em tons pastéis. Segurava na mão um vinho tinto,
e pensava que ficaria muito mais bonita em um vestido vermelho. Jogou o vinho.
Sorriu. O marido surgiu do nada e quase gritou. Ela se aproximou dele,
beijou-lhe amorosamente rompendo toda a distância entre os corpos e lhe disse
em um sussurro próximo ao ouvido:
- Cada humano caminha com a própria loucura. Eu decidi
aceitar a minha e ser feliz.
Amelie era escritora. E gostava de ser assim.
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