A peça começaria às 20 horas, então
chegou pontualmente às 17. Decidiu que
naquele dia em especial iria com o cabelo negro solto em cascata pelos ombros,
e a bolsa seria amarela para combinar com os sapatos novos e o vestido. Foi ao
café primeiro, deliciou-se com um cappuccino e um pão de queijo. Depois ao
museu, deliciou-se com a arte contemporânea e pós-moderna. Depois ao teatro,
quase atrasada olhava de segundo em segundo o relógio no pulso, queria
sentar-se na primeira fileira, milimetricamente no centro da plateia.
Com passos certeiros o espetáculo
começava. A excitação crescia, ofegava de leve esperando a beleza do cenário e
do figurino, a melodia suave vibrando no coração pulsante, sentia que essa
seria uma apresentação diferente, que romperia com as muitas críticas que
criava, levando-a por novos destinos.
Seria uma releitura de Alice no País
das Maravilhas, e ela, também chamando-se Alice, nunca perdia uma oportunidade
de apreciar a personagem preferida, a qual acompanhava desde os dez anos de
idade e que se assemelhava em toda a loucura que guardava apenas para si.
Absorvida nos olhos azuis da
protagonista e no vestido cor de esmeralda, perdeu-se em um momento. Desbravou
junto a ela os temores de viver numa mágica toca-de-coelho, repleta de
criaturas assustadoras e mudando a cada instante. Permitiu que uma lágrima lhe
caísse na face no momento em dizia não saber quem era, pois já havia sido
tantas. A Alice da plateia era tantas quanto a do palco, sentia-se tantas,
sabia-se tantas. Era muito mais que apenas um nome.
Concentrada, delirante, nossa
protagonista de cabelos negros perdeu o ar. Num segundo, num rompante, o gato
risonho surgiu na cena e se aproximou da ponta do palco, ajoelhando-se e lhe
entregando uma rosa. Nos olhos verdes do homem maquiado, ela se entregou pela
primeira vez a uma paixão pelo personagem, pelo ator, pela profundida da
emoção. De uma vez só, sem pedir licença, sentiu-se tragada com toda a força
junto ao oceano da alma dele.
Num simples olhar, num paraíso
intocável pela distância das dimensões, ela era real e ele inalcançável. Afinal
fora realmente seduzida, e sentindo o perfume da rosa, desconfiava-se quase
inteira, suspirando por um sorriso forasteiro que a guiava pelo país das
maravilhas.
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