segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Afasta de mim o amor. 2


Capítulo II O contato com os mortos.


Um senhor muito simpático me ergueu do chão e me deu água, notando meu estado alarmado. Não pude fazer muita coisa, apenas beber e sair de lá assim que me recompus minimamente. Desde os 13 anos faço o mesmo ritual, tenho uma vida bem sucedida, carro, casa, e o mais importante: não amo ninguém. Não me apaixono. Não tem nenhum homem ou mulher que mande na minha vida. E aí me vem uma dessas.
Cheguei amuada no apartamento. Minha amiga veio tentar me consolar, perguntando o que havia dado de errado e eu lhe contei da tragédia. A desgraçada riu da minha cara e teve a ousadia de dizer que a cartomante dela estava certa e que esse era o ano em que eu iria me casar. Joguei-lhe uma almofada na cara e me tranquei no quarto.
O que fazer? Desde adolescente aquela era minha certeza que tudo iria como eu planejei. Tudo sempre ficaria bem desde que eu fizesse aquela pequena e inofensiva simpatia. Quando vovó faleceu, dois anos atrás, quase compro a casa para que ninguém fizesse o que fizeram, mas desisti porque o terreno era ruim e ninguém iria comprar uma casa tão velha tão cedo. Decidi que juntaria um dinheiro a mais e compraria a casa, reformaria, iria morar lá... Sei lá. Aí vendem e...
“Pera. Vovó faleceu. Foi ela quem me ensinou a cuidar de todo esse bafafá espiritual... Então... Talvez ela tenha uma solução!”
Levantei-me de supetão, sai do quarto e corri para o carro. Não sem antes arrastar minha amiga - que se chama Maria por sinal – comigo. Lá expliquei o plano e o que faríamos e além de ser taxada como psicótica e neurótica ao mesmo tempo, fui obrigada a prometer que não iria leva-la para dentro do centro espírita, pois ela tinha muito medo “dessas coisas” (palavras dela).
Conheci aquele centro espírita com 18 anos, um namorado que achava que eu estava possuída por alguma entidade demoníaca e me levou para lá. Na cabeça dele esse era o único motivo plausível para que eu não o amasse. Tentaram de tudo, fizeram várias orações, e obviamente nada surtiu efeito. Terminei o namoro. Só estava com ele por ser cômodo.
Logo na recepção duas mulheres me saudaram. Puxei minha amiga comigo, e inventei uma história caótica sobre a minha avó falecida estar presa na terra e sonhos mirabolantes que tive com ela em que me dizia precisar falar comigo urgentemente. Sim, minto mesmo quando quero algo, nunca disse que sou boazinha.
Fui levada a um local mais reservado. Um homem de cabelos brancos me atendeu, junto a duas outras mulheres e um rapaz que parecia ter metade da minha idade. O homem se identificou como o dono do centro espírita.
- Olá, eu...
- Eu já fui informado sobre o seu caso, menina – ele sorriu ternamente e sentou-se numa mesa, apontando que eu sentasse a frente dele.
- Eu realmente preciso falar com a minha avó e...
- Você sabe... Não é assim que nós funcionamos. Mas no seu caso, bem, meus guias espirituais já haviam me avisado sobre a sua vinda.
- Verdade? E o que eles disseram? – fiquei verdadeiramente intrigada.
- Tudo. Inclusive que você mentiria descaradamente.
Engasguei.
- Mas tudo bem – ele continuou com um grande sorriso – Sua avó lhe mandou esse recado.
E me entregou uma carta. Abri e meus olhos encheram momentaneamente de lágrimas, porque um cheiro incrível de alecrim me invadiu. Mas as lágrimas logo sumiram assim que eu vi o que estava escrito:
“Como tu faz um pedido assim pra Nossa Senhora debaixo do meu nariz?! Quando tu subir aqui vai levar umas boas de umas palmadas pra aprender. Agora te vira, que eu não vou te ajudar nessa não. Ah! Coma mais, você tá muito magrinha. E se exercite. E puxe a orelha da sua mãe, esse novo marido dela não presta. E pare de fugir... Menina levada. Ainda usa o batom vermelho desse dia?”
Não sabia se chorava ou se ficava com muita raiva por não ter nem sequer uma ajuda. Agradeci a eles e saí da sala, respirei fundo tentando pensar no que fazer. Devia ter outra forma... Algo que eu não estivesse prestado atenção.
- Psiu.
Ouvi o rapaz que estava na sala me chamar. Fui até ele e baixinho ele me disse:
- Eu conheço alguém que pode ajudar.

Sorri. Era a ele que eu não estava dando atenção.




Nenhum comentário:

Postar um comentário